sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Literacia Hilariante

Sempre imaginei o Paraíso como uma espécie de biblioteca
Jorge Luís Borges
Seguíssemos à letra as palavras do autor e a Biblioteca Municipal de Oeiras seria o Céu com lotação esgotada, na quarta-feira passada. É que o Gato Fedorento mais mediático marcou a última edição do Café Com Letras.
Piada fácil – sempre na ponta da língua –, uma cultura literária extraordinária (citou a Bíblia, recitou Álvaro de Campos, falou de Sophia de Mello Breyner, Luís Sepúlveda, Mário de Carvalho e Sá de Miranda), e uma postura nervosa inicial – prova da sua humildade e fácil trato –, Ricardo Araújo Pereira deliciou quem o ouviu, à conversa com Carlos Vaz Marques.

Quem é Ricardo Araújo Pereira? Alguém que começou por ler “o que havia em casa da avó”: uns livros do tio, do tempo do PREC, com títulos do género “O que é uma cooperativa” e “O julgamento do Padre Max”, uma versão – em francês –, do "Principezinho" e um livro de contos do Eça – do qual lia, à avó, “A aia”. A mãe tentou “impingir-lhe” Júlio Dinis, mas foi pelo "Romance da Raposa" que RAP se apaixonou. Relembrou ainda “As aventuras de João Sem Medo”, de José Gomes Ferreira, obra fantástica e de subtil ironia aos tempos anteriores ao 25 de Abril.

O actor, guionista, escritor (“fiscalmente”, segundo o próprio, ainda é guionista), apaixonou-se pelas letras por uma única razão: segundo RAP, “a precariedade das palavras, aliada ao facto de nos entendermos com elas, é um milagre”. Relatou a sua experiência como jornalista, nomeadamente a sua tendência a esquecer-se do nome dos entrevistados, levando-o a inventá-los quando chegava à redacção. Falou de futebol – perdão, do Benfica –, brincou com os fotógrafos, reconheceu um antigo professor por entre a multidão, dando a sensação de que, ao contrário do comum dos mortais, RAP tem o dobro da capacidade sensorial e de memorização, tudo enquanto entabulava conversa intercalando referências literárias e episódios hilariantes. Impressionante!

Deixou sugestões de leitura para os muitos adolescentes que se encontravam na sala: “A relíquia”, do Eça e “A queda de um anjo”, de Camilo Castelo Branco (tendo aqui sido contestado por algumas pessoas do público, ainda que, para RAP, os enredos dessas obras sejam hilariantes); “Três homens e um bote”, de Jerome K. Jerome; “Contos do gin tonic" e “Novos contos do gin tonic”, de Mário Henrique Leiria; as obras de Miguel Esteves Cardoso; “Boca do Inferno”, do próprio; e “Planeta do Futebol”, de Luís de Freitas Lobo. Exceptuando o último, todos os outros estão disponíveis nas BMO (ver catálogo).

Uma noite bem passada, com muitos adolescentes (e demais faixas etárias) a terem, com certeza, uma excelente experiência de cultura, literacia e humor, nas Bibliotecas Municipais de Oeiras.

4 comentários:

Ana Paula Jardim disse...

Gaspar

O texto está o máximo! Foi, de facto, uma noite mágica que permanecerá na memória de todos. Apesar do cansaço... Nunca vi a Biblioteca tão cheia (também de adolescentes). E falou-se de livros e de palavras.

Uma noite para alegrar a alma e quebrar o "cinzentismo".

Ana Paula Jardim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

só uma pequena correcção: "a queda de um anjo" é de camilo, não de eça. de resto, excelente.

Gaspar Matos disse...

Obrigado, Ana Paula, pelas palavras, e parabéns pelo esforço.

Muito obrigado, caro anónimo, pela chamada de atenção. Está corrigido.