Tractores e Risos
E que tal um prémio literário em que o vencedor ganha uma caixa de champanhe e a honra de ver o título da sua obra atribuído a um porco? Original, não? Os ingleses são mesmo assim e, entrando num registo diferente – o humor –, o Grupo de Leitores da Biblioteca Municipal d’Algés acaba de ler Uma breve história dos tractores em ucraniano, de Marina Lewycka (Bollinger Everyman Wodehouse Prize de 2005 e nomeação para o Orange e Booker do mesmo ano). Nikolai é um engenheiro ucraniano a viver em Inglaterra desde ’45 e que, algum tempo após a morte da esposa, declara a sua intenção de casar com Valentina, também ela ucraniana. Daqui nada se depreenderia, não fosse o caso de ele ter 84 anos e ser um tanto ou quanto excêntrico (certamente contagiado pela atmosfera insular) e ela ter 36, uns "supremos seios à Botticelli" e uma aparente (para ser condescendente) vontade de dar a volta ao velho. Nadezhda e Vera são as filhas de Nikolai e tentarão tudo para impedir o casamento dessa “granada fôfa cor-de-rosa” (visualizem o espécimen) com o seu progenitor. Entre maçãs Toshiba (deliciosas, invenção do engenheiro), arrufos de manas, a aparição de Stanislav (filho de Valentina e com um QI acima da média…) e Dubov (ex-marido de Valentina e que também se junta ao imbróglio), expressões que convertem qualquer alfabeto latino em cirílico num instantinho (casos de “Senhor Senhor, eu amor meu marido”, “Eu faz cozinha moderna, não cozinha camponesa”, “carro-porcaria”, "fogão-porcaria", “aspirador-porcaria”) e, intercalando toda a obra, uma verdadeira história dos tractores, o Grupo disse de sua justiça: esta é uma obra-porcaria (literariamente falando) mas um óptimo entretenimento. Tentando um paralelismo, imagine-se o cinéfilo que, ocasionalmente, só quer dar umas boas gargalhadas em lugar de exigir película de autor. Este título cumpre a mesma função: não tem a pretensão de se constituir como volume obrigatório de uma qualquer biblioteca digna. Exerce, isso sim e muito bem, a sua missão de entreter, fazer soltar gargalhadas e permitir a fuga momentânea deste mundo cinzento. A Helena chamou-lhe uma soap opera, e muito bem: se a história é previsível, as situações são hilariantes. Como, por norma, o português é tido por taciturno, o Grupo contrariou a tendência. E riu a bom rir. E se as gargalhadas marcaram a primeira sessão, o que dizer da segunda? Como nem sempre o livro escolhido se estende pelos dois encontros, aproveitou-se o derradeiro para a partilha de contos, excertos de romances ou pequenos textos que cada um achou mais conveniente trazer. Condição sine qua non desses conteúdos: o humor. De Agualusa (Uma água escura e Como amar uma mulher e sobreviver in A substância do amor e outras crónicas) a Jardiel Poncela (Um amor oculto), de Inês Pedrosa (Conversa de café in Fica comigo esta noite) ao Marquês de Sade (Há lugar para dois), de António Lobo Antunes (O meu primeiro encontro com a minha esposa e Os meus Domingos in Livro de crónicas) a Marcelo Elias (A Família Castro), o Grupo experimentou (ou relembrou) o acto generoso, revigorante, carinhoso e solidário que é ler para os outros. Cada um o fez – em voz alta – para usufruto de todos. Mais do que rirmos a bandeiras despregadas, o momento foi belíssimo.
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