quarta-feira, 2 de julho de 2008

Temos de falar...

O romance epistolar não é, propriamente, algo de muito vulgar nos nossos dias. Uma história que se desenrola com base em trocas de correspondência pode afigurar-se como algo terrivelmente estático e descritivo. No caso da obra que o Grupo de Leitores de Algés leu e discutiu durante o mês de Junho, o caso piora de figura: e se forem apenas missivas sempre escritas pela mesma pessoa, sem resposta? Terrível, não é? Não, surpreendentemente não é. E a prova é a de que este Temos de falar sobre o Kevin não se consegue parar de ler. Goste-se ou não. Mas não se consegue parar de ler.

Quem está à procura de literatura ligeira (“não light, mas sem tópicos controversos”, leia-se) desengane-se, pois este título é brutal em tudo o que apresenta, relata ou afronta: a maternidade como antítese da felicidade, a difícil conciliação carreira/vida familiar, as razões que levam um adolescente a cometer um massacre mas, antes de mais, a infernizar a vida de todos à sua volta desde tenra idade, a cegueira de um pai que não vê – ou não quer ver – e a personalidade tão vincada de uma criança que acaba de nascer mas que já parece demonstrar o que quer (e, acima de tudo, o que não quer – a mãe).

A história sobre a qual se desenvolve toda a obra centra-se em Kevin e no facto de este, três dias antes de fazer 16 anos, ter morto vários colegas da escola, um professor e um funcionário da cantina. Eva, a mãe de Kevin, tenta a expiação através de cartas que escreve ao pai do rapaz. Busca razões, motivos, qualquer coisa que atribua lógica ao acto ilógico do filho e que a figura maternal já há muito previa.

Este romance gerou uma óptima discussão no Grupo: será possível nascer com uma personalidade pré-definida e que não se deixa aculturar? Após o primeiro encontro fez-se uma pesquisa e encontrou-se informação que pode colocar em causa a tábua rasa em que se julgava nascer e que, posteriormente e paulatinamente, iria sendo moldada (ver nature versus nurture). Também o papel do pai de Kevin foi abordado, alternando entre o alheado e o apaziguador. A irmã do protagonista, Célia, revela-se um reflexo invertido de Kevin, não tão perturbadora mas igualmente estranha. A troca de palavras adensou-se, também, em relação à autora: será que só uma mulher sem filhos poderia escrever tal obra?

Destaque para o final, verdadeiramente inesperado e que só abona em favor do título que venceu, em 2005, o Orange Prize.

Na segunda sessão explorou-se um pouco mais a temática e, na busca de explicações, visionou-se o Bowling for Columbine (Michael Moore). O Elephant (Gus Van Sant) ficou nas mãos do Grupo, para ir rodando entre os seus elementos.

Último destaque para a Lurdes Monteiro, que trouxe um chocolate de São Tomé e Príncipe de lamber os beiços (relembrando que isto dos Grupos de Leitura não é só leitura). Próxima paragem: Nenhum Olhar, de José Luís Peixoto, no dia 08 de Julho.

Até lá!
imagem do massacre de Columbine aqui

3 comentários:

Anónimo disse...

olá! que belo depoimento! e´não é que tens razão em tudo o que escreveste? E muito bem escrito, note-se. Este livro é de facto muito bom. Até á proxima sessão.beijinhos da Maria e da Cacilda que está mesmo aqui ao meu lado. fica bem

Anónimo disse...

Sou uma das raparigas que gostaria de participar no grupo após a mudança de horários de dança. E por isso só posso agradecer de receber sempre a newsletter do grupo, já que assim vou-me pondo a par dos livros que se encontram a ler.
Este livro despertou-me curiosidade e como reparei que complementam com videos, sugiro o filme bang, bang, you`re died, que aborda esta temática.

cumprimentos,
Cíntia M.

Gaspar Matos disse...

Um abraço à Maria e à Cacilda (espero que já estejam a ler o "Nenhum Olhar")
Cíntia, quando quiseres aparecer envia um mail. As portas estão abertas!

Um abraço!