sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Carnaxide numa jangada com o Grupo de Leitores em cima!


Abre-se um livro novo. Cheira a escola, a carteira de madeira de sala de aula presa ao chão. As folhas, lisas e duras de desuso, deixam-se desflorar pelas mãos meigas que as afagam, movimento prático de evolução no romance ou, por vezes, tique nervoso de dar, às pontas dos dedos, algum uso em bico de página.
Abriu-se um livro velho. Por um livro novo. A jangada de pedra.
A Maria deleitou-nos com mais para além da perspectiva náutico-transatlântica. Trouxe, na última sessão, Os poemas possíveis. Dissertou também sobre figuras de estilo e clamou por Saramago no aeroporto, após o seu regresso da Suécia. Uma fã, à séria! A Antonieta quase que se emociona a recordar o Memorial do convento, Tão bem que ele escreve, diz ela, fechando os olhos como quem acaba de degustar um doce conventual – nem de propósito. A Sílvia, nova aquisição (ponta-de-lança que tanta falta faz ao meu Benfica), pautou a sua estreia pelo silêncio e discrição. Mas, a dez minutos da conclusão da partida, desfere um remate potentíssimo à baliza, qual Simão! O Ensaio sobre a cegueira faz um arco e beija as redes da equipa adversária, a da ignorância e do desconhecimento. Fala-nos da vida e do valor que se lhe dá quando se lê uma visão tão dantesca da existência. O Pereira faz uma leitura mais pragmática da coisa saramaguesca, Eu só conheço débito e crédito, deformação profissional da actividade bancária. Mas nota-se-lhe o gosto pela narrativa do Nobel, a forma como vibrou com a visão de portugueses e espanhóis a verem Gibraltar a passar ao largo. A Helena trouxe uma perspectiva técnica, não fosse ela dada às biologias e afins. Dados estatísticos – sabiam que o Saramago, antes do Nobel, já tinha vendido um milhão de cópias? – e uma sede profunda mas serena de ouvir e falar sobre a leitura. A Helena Monteiro traz perspectivas mais difusas, com ganas de Cabo-Verde: o filme associado, as influências dos escritores, a arte de Talma… Mais palavras, interjeições e comentários houve: cansa a ler, só o leio em volta alta, é o melhor, há melhor, não é a sua melhor obra, enfim, tal como na farmácia ouve de tudo para todos. Posição unânime na leitura política da obra. Portugal acabado de entrar na União Europeia e o autor a pegar na Ibéria e a afastá-la para onde esta se sente melhor, rumo a África, rumo à América Latina, vogando pelo Atlântico, qual nau, qual caravela, não em descoberta mas em romagem de saudade, que a Europa não somos nós nem a nossa afinidade é tão grande quanto isso. Primos afastados, quanto muito.
Ganhamos todos. O autor, porque se viu e fez compreendido pelas voz de interlocutores que o amam, que o estimam, que o compreendem. Ganhamos nós, principalmente os Nós feitos Eu, que vos escrevo. Porque a minha estúpida arrogância me fazia ter uma visão toldada por preconceitos de sintaxe e de rejeição absurda, Não gosto e pronto. Mas gosto, E pronto!

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