Rabanadas e Caviar
As sessões do Grupo de Leitores da BM de Algés iniciaram-se, em 2008, com Daniel Pennac e a sua obra Como um romance. Achou-se importante, na altura, direccionar uma primeira conversa para o prazer e a liberdade de ler, sem amarras, num exercício não de obrigação mas de permanente devoção. Obviamente que o compromisso assumido perante a adesão a uma actividade deste género implicou que um ou outro dos direitos evocados pelo autor teriam de, no limite do possível, ser evitados (O direito de não ler, p.ex.). Mas, mais cedo ou mais tarde previa-se que, ou um qualquer erro de planeamento (por exemplo, a selecção de uma obra demasiado volumosa para um período temporal reduzido) e/ou o fraquejar da vontade de levar até ao fim o volume em mãos conduziriam, inevitavelmente, à confirmação do 3º direito emanado pelo pedagogo francês– O direito de não acabar um livro.
Aconteceu, pois, em Janeiro. Salman Rushdie que nos perdoe pois lia-se (ou pretendia-se ler) Os filhos da meia-noite, obra maior do escritor e premiada com, entre outros, o Booker e o Booker dos Booker. As sessões foram dedicadas à discussão do guia de leitura: a biografia do autor (e de que forma a sua existência foi afectada após a publicação d’Os Versículos Satânicos), uma recensão de Álvaro Salema à obra, um artigo delicioso do escritor publicado no The Guardian acerca das vicissitudes que rodearam o lançamento do título, algumas consideração acerca de Harun e o mar de histórias, obra que o autor dedica ao seu filho Zafar, em defesa da liberdade criativa mas... a tal obra premiada, lê-la de fio a pavio, com olhos de ler… nem viv’alma o fez. No entanto a sessão, foi infrutífera? Desenganem-se: foi prova maior da vitalidade do grupo. A discussão manteve-se, acrescendo à já mencionada, outra, atracando em vários portos literários, nomeadamente os visitados por ocasião da época natalícia. E comprovaram-se as palavras de Paula Moura Pinheiro, retiradas do texto de António Prole “Da literatura à vida, da vida à literatura”:
“ (…) Religar a literatura à vida. É este, segundo a minha experiência, o maior mérito das Comunidades de Leitores. O prazer da partilha das impressões de uma determinada leitura num grupo de pessoas que, à partida, não se conhecem é um passaporte para que novas relações se estabeleçam. E é uma maneira, informal e saborosa, de promover, mais que a reflexão sobre a literatura, a auto-reflexão. E de exercitar a curiosidade, a generosidade e a intimidade. Nas nossas cidades tendencialmente atomizadas, doentes de solidão, as Comunidades de Leitores [no caso, leiam-se grupos] são, antes de mais, instrumentos promotores de humanidade. Que os livros sejam a chave para estes encontros é uma circunstância feliz.”
Motivos para esta sessão atípica, o autor deste texto encontra duas: da parte do dinamizador, a escolha de obra densa e a exigir mais tempo para a leitura; da parte de todo o grupo (onde me incluo)… rabanadas, excesso de.
Já Fevereiro trouxe um estômago mais vazio e pérolas acessíveis a todos, assim as queiram ler: Jogo de espelhos: reflexos para um auto-retrato, de David Mourão-Ferreira, é caviar literário. Volume atípico, até na sua classificação (o autor escreveu poesia, conto e novela, romance, teatro, ensaio, crítica, crónica, divulgação e tradução e inseriu esta obra em vária), deparamo-nos com texto impresso apenas no quarto inferior da página. Título dividido em duas partes (Da sedução e das sedutoras e Auto-retrato: primeiros traços), com pequenas tiradas de prosa que, no total das metades, se traduzem na tal reflexão, no mencionado espelho de juventude versus fim de vida (obra de 1993 e a sua morte ocorre em 1996, aliás, o escritor indicia já a sua doença). Num primeiro momento olha-se para o volume de soslaio, ainda mais quando o mesmo se destina a discussão no seio de um Grupo de Leitores. Mas inverta-se o adágio pois, com pouca parra (leia-se, texto impresso), Mourão-Ferreira dá, a quem o lê, muita uva e pano para mangas de discussão. Alguns bagos:
Aconteceu, pois, em Janeiro. Salman Rushdie que nos perdoe pois lia-se (ou pretendia-se ler) Os filhos da meia-noite, obra maior do escritor e premiada com, entre outros, o Booker e o Booker dos Booker. As sessões foram dedicadas à discussão do guia de leitura: a biografia do autor (e de que forma a sua existência foi afectada após a publicação d’Os Versículos Satânicos), uma recensão de Álvaro Salema à obra, um artigo delicioso do escritor publicado no The Guardian acerca das vicissitudes que rodearam o lançamento do título, algumas consideração acerca de Harun e o mar de histórias, obra que o autor dedica ao seu filho Zafar, em defesa da liberdade criativa mas... a tal obra premiada, lê-la de fio a pavio, com olhos de ler… nem viv’alma o fez. No entanto a sessão, foi infrutífera? Desenganem-se: foi prova maior da vitalidade do grupo. A discussão manteve-se, acrescendo à já mencionada, outra, atracando em vários portos literários, nomeadamente os visitados por ocasião da época natalícia. E comprovaram-se as palavras de Paula Moura Pinheiro, retiradas do texto de António Prole “Da literatura à vida, da vida à literatura”:
“ (…) Religar a literatura à vida. É este, segundo a minha experiência, o maior mérito das Comunidades de Leitores. O prazer da partilha das impressões de uma determinada leitura num grupo de pessoas que, à partida, não se conhecem é um passaporte para que novas relações se estabeleçam. E é uma maneira, informal e saborosa, de promover, mais que a reflexão sobre a literatura, a auto-reflexão. E de exercitar a curiosidade, a generosidade e a intimidade. Nas nossas cidades tendencialmente atomizadas, doentes de solidão, as Comunidades de Leitores [no caso, leiam-se grupos] são, antes de mais, instrumentos promotores de humanidade. Que os livros sejam a chave para estes encontros é uma circunstância feliz.”
Motivos para esta sessão atípica, o autor deste texto encontra duas: da parte do dinamizador, a escolha de obra densa e a exigir mais tempo para a leitura; da parte de todo o grupo (onde me incluo)… rabanadas, excesso de.
Já Fevereiro trouxe um estômago mais vazio e pérolas acessíveis a todos, assim as queiram ler: Jogo de espelhos: reflexos para um auto-retrato, de David Mourão-Ferreira, é caviar literário. Volume atípico, até na sua classificação (o autor escreveu poesia, conto e novela, romance, teatro, ensaio, crítica, crónica, divulgação e tradução e inseriu esta obra em vária), deparamo-nos com texto impresso apenas no quarto inferior da página. Título dividido em duas partes (Da sedução e das sedutoras e Auto-retrato: primeiros traços), com pequenas tiradas de prosa que, no total das metades, se traduzem na tal reflexão, no mencionado espelho de juventude versus fim de vida (obra de 1993 e a sua morte ocorre em 1996, aliás, o escritor indicia já a sua doença). Num primeiro momento olha-se para o volume de soslaio, ainda mais quando o mesmo se destina a discussão no seio de um Grupo de Leitores. Mas inverta-se o adágio pois, com pouca parra (leia-se, texto impresso), Mourão-Ferreira dá, a quem o lê, muita uva e pano para mangas de discussão. Alguns bagos:
“Mais vale uma sedutora a voar que duas seduzidas na mão.”
“A sedução é uma planta carnívora. Não há memória de sedutoras vegetarianas.”
“Livre, livro: diante desta semelhança, logo em pequeno desconfiou que não seria por acaso.”
“Nem bibliófilo nem bibliómano: apenas um tudonada bibliófago. Ou, mais propriamente, verbívoro.”
“A sedução é uma planta carnívora. Não há memória de sedutoras vegetarianas.”
“Livre, livro: diante desta semelhança, logo em pequeno desconfiou que não seria por acaso.”
“Nem bibliófilo nem bibliómano: apenas um tudonada bibliófago. Ou, mais propriamente, verbívoro.”
E assim ficaram marcadas as sessões de Janeiro e Fevereiro do Grupo de Leitores. Por rabanadas e caviar… Em Março, O Jogo do Anjo, de Carlos Ruiz Zafón, será servido. Sempre por volta da hora do jantar...
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