AS NOSSAS SUGESTÕES - JULHO DE 2007
Ramón Gómez de La Serna (1888-1963), poeta e vanguardista espanhol, com uma obra futurista que estava para além do seu tempo, é hoje um dos pensadores mais citados um pouco por todo o mundo, sobre todo o género de matérias. Para além das suas obras de elevada qualidade literária, com o demonstram, por exemplo, os volumes «Seios» e «Greguerías», destaque para a «Marginálias» que compôs com o poeta e artista plástico português, Almada Negreiros.
Dando continuidade à publicação da obra de Ramón Gómez de la Serna (1888- -1963), a bem dizer um autor ainda pouco conhecido em Portugal, a Antígona apresenta agora, com tradução de José Colaço Barreiros, Seis Falsas Novelas (1923), que constitui um dos livros mais importantes deste autor. Revela-se aqui toda a desenvoltura e arrojo do seu génio, capaz de se adaptar aos ambientes das mais exacerbadas extravagâncias; nestas páginas convivem episódios de uma humanidade que La Serna soube intuir com genial clarividência. Antecipando-se a James Joyce no profundo abalo a que a novelística se viu sujeita, deu a público mais de cem títulos, entre novela, romance, ensaio, biografia, memoralismo e crítica de arte, introduzindo até um género literário que lhe é próprio, a greguería.
"- O mar está cheio de lenços de despedida – disse ela, quando o mar estava um tanto picado. - O mar é hoje adega de garrafas com mensagens dentro – disse no dia escuro em que a tempestade o semeara de madeiros estilhaçados."
Antígona, 195p.;
De quem se fala:
"O Outro Pé da Sereia é o meu décimo nono livro. Comecei por publicar poesia, sou filho de poeta e mantenho que, ainda hoje, a poesia é o meu modo de narrar uma história. Estou traduzido e publicado em 21 países e recebi, por duas vezes, o prémio nacional de literatura em Moçambique. Vejo agora que tenho imensa dificuldade em falar do trajecto literário pois não quero nunca olhar a minha vida como um percurso pensado ou com uma intenção de fazer um currículo. Tudo o que eu fiz foi de forma não pensada, sem administrar intenções ou guiar para objectivos definidos. Aconteceu escrever, acontece-me estar escritor e, em qualquer momento, poderei ser uma outra coisa qualquer, desde que isso me dê prazer."
O que se diz:
Viagens diversas cruzam-se neste romance: a de D. Gonçalo da Silveira, a de Mwadia Malunga e a de um casal de afro-americanos. O missionário português persegue o inatingível sonho de um continente convertido, a jovem Mwadia cumpre o impossível regresso à infância e os afro-americanos seguem a miragem do reencontro com um lugar encantado.Outras personagens atravessam séculos e distâncias: o escravo Nimi, à procura das areias brancas da sua roubada origem. A própria estátua de Nossa Senhora, viajando de Goa para África, transita da religião dos céus para o sagrado das águas. E toda uma aldeia chamada Vila Longe atravessa os territórios do sonho, para além das fronteiras da geografia e da vida. As diferentes viagens entrecruzam-se numa narrativa mágica, por via de uma mesma escrita densa e leve, mistérios e poética de um dos mais consagrados escritores da língua portuguesa.
Está dito:
“Mwadia sentiu os riscos abertos no pescoço do marido. Dizia-se que eram antigas cicatrizes de golpes de faca, de certa vez que quase o mataram. O pastor defendia que eram guelras, que metade da sua alma era de peixe e ele, quando dormia, descia às profundezas do rio e se embalava na corrente.”
Caminho; 382 p.
Escritora portuguesa nascida em 1940, Teolinda Gersão, frequentou os cursos de Romanística, Anglística e Germanística nas Universidades de Coimbra, Tübingen e Berlim. Foi Professora Universitária em Berlim e Lisboa.Embora tenha apenas publicado, até ao momento, seis romances, Teolinda Gersão já é considerada uma presença marcante na ficção portuguesa contemporânea.
O que se diz:
O novo livro de Teolinda Gersão, 14 contos que partem da vida quotidiana e se abrem a outros mundos – oníricos, fantásticos, terríveis ou absurdos – que nem por isso deixam de pertencer-nos e de ser o lugar onde habitamos. Imprescindível!
“Nem sequer me ouves, por muito que eu grite. Nunca vais ouvir esta mensagem. Mas se por acaso a ouvires, Deus, se por acaso ouvires esta mensagem, não afastes de mim o teu rosto: não cortes este fio de palavras que vou estendendo entre mim e ti, porque não me resta nada senão este fio imaginário – provavelmente tu não existes e falo sozinha, no nevoeiro e na noite, mas se por acaso existires e ouvires esta mensagem, não cortes o fio, Deus, não cortes este fio de palavras, e fica a escutar-me. Até ao fim.”
Sudoeste; 136 p.
Nascido em 1906, Samuel Beckett passou grande parte da sua vida em França e morreu em Paris em 1989. Foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1969. O autor em causa é, com toda a certeza, a figura literária mais notável do seu tempo.
O que se diz:
São bisbilhotices interiores estas maravilhosas concentrações, cheias dos rabos e dos cabelos de muitas outras histórias e pessoas de Beckett; dos pés de pensamentos ímpios e criminosamente curiosos; dos cheiros de folhas entretanto secas e doutras que não viriam sequer a ser escritas ou mencionadas. Obtém-se do leitor perplexo uma portentosa embriaguez de tantas possibilidades ora líricas, ora cómicas, logo tornadas todas ao mesmo tempo, só para chatear. Procurando mal e depressa, toda a obra dele está aqui; esteve aqui; nunca mais daqui saiu. Mas seria pena procurar assim.
Está dito:
“Sim, fui meu pai e fui meu filho, fiz perguntas a mim mesmo e respondi como pude, pedi para contar outra vez a mim mesmo, noite após noite, a mesma história, que eu sabia de cor sem poder acreditar nela, ou então caminhávamos, de mão dada, calados, imersos nos nossos mundos, cada qual nos seus mundos, mãos esquecidas, uma na outra. Foi assim que aguentei, até este momento. E esta noite também parece dar resultado, estou nos meus braços, continuo nos meus braços, sem grande ternura, mas fielmente, fielmente. Durmamos, como à luz daquele candeeiro longínquo, enleados, por termos falado tanto, ouvido tanto, penado tanto, brincado tanto.”
Autor: Haruki Murakami
De quem se fala:
Murakami nascido em Quioto a 1949, de quem a Casa das Letras editou dois romances anteriores ao apresentado, é um dos escritores japoneses contemporâneos mais divulgados em todo o mundo e considerado grande romancista pelos críticos. Estudou teatro grego antes de gerir um bar de jazz em Tóquio, entre 1974 e 1981. Recentemente também publicou três colectâneas de contos, sendo a última distinguida com o Frank O’Connor International Short Story Award.
O que se diz:
Ambientado numa atmosfera japonesa, mas com um pé no noir americano, Murakami tece uma história detectivesca onde a realidade é palpável, dura e fria, e seria a verdade de qualquer um, não fosse um leve pormenor: é uma realidade absolutamente fantástica. Um publicitário divorciado, que tem um caso com uma rapariga de orelhas fascinantes, vê-se envolvido, graças a uma fotografia publicitária, numa trama inesperada: alguém quer que ele encontre um carneiro! Mas não é um carneiro qualquer. É um animal que pode mudar o rumo da história. Um carneiro sobrenatural… Murakami dá a esta estranha história um tom que só um oriental pode imprimir a uma crença, fazendo-a figurar como um facto da realidade. Coloca, de uma forma genial, a fantasia na aridez do mundo real.
Está dito:
“(…) Trocávamos livros, bebíamos uísque barato, praticávamos sexo por sexo, discutíamos assuntos que não nos levavam a parte alguma, e assim se passavam os dias. Vocês sabem, as coisas do costume. Enquanto isso, acompanhada de um sinistro rangido, caía a cortina sobre aquela década de sessenta de tão incómoda memória. (…)”
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